Raul Seixas e Paulo Coelho são hoje nomes conhecidos pelo Brasil afora. Se um é considerado pioneiro do Rock no país e um dos grandes cantores e compositores brasileiros, o outro alcançou fama mundial e está entre os autores mais lidos e traduzidos do planeta. Uma amizade marcada pela inimizade e a composição de clássicos da música nacional os une. No entanto, eles se conheceram quando ambos ainda estavam no anonimato.
Por muitos anos foi sustentada uma falsa versão de como Raul Seixas e Paulo Coelho se conheceram. Eles criaram uma história fantasiosa envolvendo discos voadores na orla carioca, como Raulzito conta nesta entrevista concedida ao jornal O Pasquim, em 1973:
Eu conheci o Paulo na Barra da Tijuca, num dia que eu tava lá. Às cinco horas da tarde eu tava lá meditando. Paulo também tava meditando, mas eu não o conhecia. Foi no dia que nós vimos o disco voador. Cinco horas da tarde. Então eu vi. Enorme, rapaz, um negócio muito bonito. (…) Era meio assim… prateado. Mas não dava pra ver nitidamente o prateado porque tinha uma aura alaranjada, bem forte, em volta. Mas enorme, entre onde eu estava e o horizonte. Ele tava lá parado, enorme. O Paulo veio correndo, eu não conhecia ele, mas ele disse: “Cê tá vendo o que eu tô vendo?” A gente aí sentou, o disco sumiu num zigue-zague incrível. (…) Ele ficou lá uns dez minutos parado, estático. O Paulo chegou e nós começamos a conversar, sentados. Foi como se a gente tivesse feito uma viagem no próprio disco. E vendo a problemática toda do planeta.
A verdadeira história é bem menos interessante, mas também envolve discos voadores. O ano é 1972 e Paulo Coelho era editor de uma revista alternativa, chamada A Pomba, que tratava de assuntos como ufologia, misticismo e esoterismo. Todas essas temáticas eram familiares ao escritor, que naquela época era assumidamente membro de sociedades secretas e usuário de drogas leves e pesadas. Já na adolescência, chegou a ser internado três vezes num hospício pelo próprio pai.
Raul Seixas era mais careta naquele tempo. Estava casado com Edith Wisner, era pai de Simone e estava empregado na CBS Discos do Rio de Janeiro, como produtor musical. Não escondia, porém, seu fascínio sobre seres extraterrestres e outros assuntos esotéricos, o que o motivou a entrar em contato com o editor da revista A Pomba. Esse encontro resultaria, ao longo de três anos, em canções como Gita, Tente Outra Vez, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, Ave Maria da Rua, entre outras.
Paulo apresentou a Raul o universo do esoterismo e das drogas. Foi pelas mãos do amigo que Raulzito teve conhecimento da filosofia do ocultista britânico Aleister Crowley, nome que exerceu grande influência sobre as composições da dupla naquela primeira metade dos anos 1970, principalmente na concepção da Sociedade Alternativa.
Raul, por sua vez, ensinou Paulo a compor. Caroço de Manga, primeira música assinada pela dupla, foi escrita somente por Raulzito, que colocou o nome do parceiro como incentivo. E o segundo autor mais popular do globo jamais escondeu que seu estilo literário nasceu do aprendizado das composições com Raul Seixas, que priorizava a simplicidade em suas canções para falar diretamente com as massas.

Casamento
Paulo Coelho já chegou a definir sua parceria com Raul como um “casamento sem sexo”, tamanha era a convivência de ambos. Compunham suas músicas quase sempre brigando e há evidências até de que já tenham saído no tapa. No entanto, ambos já admitiram em entrevistas que talvez fosse justamente esse o ingrediente do sucesso das composições.
A parceria seguiu até 1976, com o lançamento de Há 10 Mil Anos Atrás. Paulo decidiu encerrar a carreira de compositor para se dedicar exclusivamente à literatura. Dois anos depois, ensaiaram um retorno em Mata Virgem, mas o divórcio era mesmo definitivo.

O último encontro entre a dupla de compositores mais célebre do Rock nacional ocorreu na casa de shows do Canecão, no Rio de Janeiro, numa das apresentações da turnê derradeira de Raulzito com Marcelo Nova. Paulo subiu ao palco naquele 21 de abril de 1989 para cantar Sociedade Alternativa ao lado do amigo.
Exatos quatro meses depois, o autor de O Alquimista estava no caminho sagrado de Roma e tinha condições limitadas de comunicação. Numa ligação com sua esposa Cristina, Paulo Coelho fica sabendo da morte do amigo Raul Seixas, sem maiores detalhes.
Eu pensei “Raul morreu, só vou saber daqui a dois dias o que houve, porque eu não tenho mais moedas, não tenho lugar para telefonar, nem a cobrar nem nada”. E me deu uma imensa alegria. Eu me lembro que naquele momento eu estava naquela floresta cantando as nossas músicas… sabe, assim, uma coisa forte. Eu disse “porra, que legal, ele viveu a lenda pessoal dele. Daí ele vai virar um mito”